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domingo, 17 de maio de 2020

Pandemia, Lutas de Classes e Serviço Social: entrevista exclusiva com Charles Toniolo

Iº Seminário Nacional Serviço Social e Concursos


ENTREVISTA EXCLUSIVA COM CHARLES TONIOLO*

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Pandemia, Lutas de Classes e Serviço Social

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Pergunta: 
Quais os desafios ao Serviço Social no contexto da Pandemia da COVID-19?

Resposta
   A profissão vive hoje um momento crucial. Na verdade, as profissões de um modo geral têm sido bastante tensionadas diante do cenário posto pela pandemia de Covid-19. O enfrentamento ao alastramento da doença requer ações de diversas naturezas, não apenas no campo da saúde, mas em várias políticas sociais e instituições diversas. A crise sanitária escancarou o grau das desigualdades sociais e das violações de direitos que são próprios do capitalismo e os efeitos nefastos sobre a classe trabalhadora que o atual estágio deste sistema provoca.
   Uma das principais diferenças é que no período anterior vivíamos uma ofensiva ideológica relativamente bem sucedida que mascarava essas desigualdades, com a afirmação de valores como o individualismo, a meritocracia, e da difusão de propostas como o empreendedorismo, a ineficácia estatal – todos de cunho liberal em um cenário de adoção de políticas ultraneoliberais. Com a pandemia e as necessárias medidas de contenção, cada vez mais fica evidente a dimensão ideológica desse discurso, pois a maioria da população se encontra totalmente desprotegida dos recursos básicos para sua sobrevivência.
   Isso demonstra o quanto a concepção de saúde não apenas como ausência de doença, mas também de bem-estar social, está correta e é mais atual do que nunca. E diante de uma crise sanitária, que traz fortes impactos socioeconômicos, as demandas por serviços de qualidade de proteção social, a indivíduos e a coletivos, se torna cada vez mais um imperativo. A atuação dos assistentes sociais nessas ações é de fundamental importância, pois nós somos uma profissão que tem a capacidade de reconhecer muitas situações que demandam a oferta de serviços por meio de políticas públicas – e essas demandas já estão aparecendo, e tendem a se multiplicar, quantitativa e qualitativamente, em curto prazo.



   Isso vai requerer de nós, assistentes sociais, uma postura bastante firme. Mais do que nunca o nosso posicionamento político diante da realidade será um elemento determinante para as respostas que podemos propor e construir para essas situações. É necessário reconhecer que tudo o que está acontecendo é mais um estágio da luta de classes, em que os trabalhadores estão vivenciando os efeitos dos ataques das classes dominantes que há décadas impõem o seu projeto de sociedade. Caso contrário, tendemos a ser cooptados, ainda que inconscientemente, a ações pontuais que visam apenas minimizar os efeitos genocidas que a política do atual governo implementa ao se recusar a enfrentar a pandemia tal como precisa.
   Assim, provocar a ampliação de serviços, inclusão em benefícios diversos, alternativas de isolamento social que não provoquem aglomerações para determinados grupos populacionais, estímulo a ações de solidariedade de classe, participação em coletivos virtuais que pensam em ações públicas, acompanhar os debates virtuais que estão sendo realizados, são ações que acho muito importantes fazerem parte do cotidiano profissional nesse período. Entretanto, mais do que nunca, é imprescindível estar em contato com a realidade e dar publicidade, a todos os canais disponíveis, nominal ou anonimamente, às violações sofridas pela maioria da população e as intervenções violadoras que se propagam nas diferentes esferas de governo. O Serviço Social tem um potencial de dispor de dados da realidade concreta dos sujeitos e de analisá-los criticamente que poucas profissões possuem – e no atual cenário, essa contribuição parece ser determinante.

Pergunta
Quais os desafios da luta da classe trabalhadora?

Resposta
   Muitos, sem dúvida. E uma série deles vem sendo discutidos por diversos setores da esquerda. Nem me aventuro a tentar esgotar o tema aqui. Mas acho importante mencionar alguns pontos.
Encontrar alternativas de mobilização e de publicização das nossas pautas, diante de um cenário em que as manifestações de rua, historicamente um de nossos principais instrumentos, se constituem um risco de contágio epidêmico, coloca um desafio enorme para a classe. A direita, e principalmente a extrema-direita, especializou-se em usar as redes sociais para a propagação de suas ideias, incluindo a larga utilização de mentiras e notícias falsas (fake news). Vejo que muitos segmentos organizados da classe aprenderam a lição e estão tentando se apropriar da mesma ferramenta para fazer as disputas necessárias no atual contexto.



   Entretanto, paradoxalmente, o que temos visto nas últimas semanas é a presença de grupos de extrema-direita em manifestações públicas. Diante do negacionismo dos efeitos da pandemia do novo coronavírus, e da necessidade de defender o presidente diante dos escândalos de corrupção que envolvem o governo federal e o clã presidencial, observamos uma tendência à radicalização da ação desses grupos. Isso se deve a uma aposta construída por Bolsonaro que tem levado cada vez mais a seu isolamento, e por isso ele precisa mostrar algum tipo de força, mobilizando suas bases. Eu vejo isso também como uma resposta dos segmentos dominantes à luta de classes. A radicalização do bolsonarismo também é produto de ações que foram protagonizadas pela classe trabalhadora e suas diversas organizações coletivas. Ainda que tenhamos sofrido sucessivas derrotas, ainda incomodamos bastante, e eu vejo isso como algo positivo.
   Mas, é claro, estamos muito aquém do nosso potencial. A despeito da pluralidade que é própria da composição da classe trabalhadora, inclusive do ponto de vista dos posicionamentos políticos e ideológicos, a construção de uma frente ampla, a partir de um programa, ainda não se realizou. Estamos diante dessa possibilidade, com a ascensão de um discurso golpista e autoritário, protagonizado por milícias apoiadoras do governo. Tenho percebido que por mais que os grupos de direita se radicalizem, o escancaramento das desigualdades de classe, assim como o discurso claramente anti-classe trabalhadora desses segmentos, tem permitido a abertura de um espaço político importante para a difusão de um programa que questione o neoliberalismo e até mesmo as bases fundantes do capitalismo. Esse cenário era impensável, por exemplo, em 2018. Ainda que pequeno, não podemos perder a oportunidade de ocupar esse espaço e aprofundar o diálogo sobre o que é de fato o sistema econômico e político que vivemos, e assim, avançar na consciência de classe.
   Por mais que haja uma série de rachas entre os setores da burguesia, não podemos subestimar a nossa capacidade de provocar tensionamentos importantes. E me parece que as respostas que a direita vem construindo também se remetem a como nós viemos nos posicionando. É importante atentarmos: quanto mais a gente se unifica de cá, eles também tendem a se unificar de lá. Tenhamos coragem, força e muita organização para enfrentar os novos efeitos da reação burguesa, e com isso, avançar em uma luta estratégica de superação das desigualdades de classe provocadas pela exploração do trabalho e acumulação de capital.

*Charles Toniolo de Sousa
Graduado em Serviço Social em 1999 e Mestre em Serviço Social em 2009, ambos pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi assistente social do Ministério Público do estado do Rio de Janeiro (MPRJ) de 2002 a 2010, e professor auxiliar do curso de Serviço Social da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO) entre 2005 e 2010. Foi também presidente do Conselho Regional de Serviço Social do estado do Rio de Janeiro (CRESS/7a Região) na gestão 2011-2014 e membro da diretoria entre 2014-2017. Desde 2010 é Professor Assistente do Departamento de Fundamentos do Serviço Social da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ESS/UFRJ). Também é aluno do curso de Doutorado em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) desde 2015, e inserido no Programa Doutorado Sanduíche no Exterior, na Universtity of Essex/Reino Unido. Tem experiência na área de Serviço Social, com ênfase em Serviço Social no campo sociojurídico. Estuda os seguintes temas: Serviço Social, sigilo profissional, ética profissional, "questão social", violência, justiça, direitos humanos, infância e adolescência, violência sexual e maus-tratos. Informações coletadas do Lattes.





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