sexta-feira, 10 de abril de 2020

SERVIÇO SOCIAL E NOVO CORONAVÍRUS: FORMAÇÃO E TRABALHO PROFISSIONAL

SERVIÇO SOCIAL E NOVO CORONAVÍRUS: FORMAÇÃO E TRABALHO PROFISSIONAL.

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João Rafael da Conceição[1]

INTRODUÇÃO

"Os vírus mudam o tempo todo. Mas as circunstâncias nas quais uma mutação se torna uma ameaça à vida dependem das ações humanas" (HARVEY, 2020, p. 15)


Este texto é uma tentativa de sistematização de ações do conjunto CFESS-CRESS, informações pertinentes às/aos assistentes sociais e de posicionamento radicalmente crítico frente aos processos sociais decorrentes da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2). São formulações iniciais, abertas ao diálogo e revisão de posicionamentos, visto que foram construídas no “calor do momento”.



A pandemia do novo coronavírus é pedagógica politicamente: demonstra a insuficiência do capital em responder as crises sem onerar a classe trabalhadora; e revela a centralidade do capital no imediato (ou no curto prazo para aumento da exploração).

Onera trabalhadores e trabalhadoras com os custos da reprodução da vida quando, ao mesmo tempo,  tenta impedir o Estado de assegurar meios de subsistência (ainda que provisórios e temporários), forjando uma falsa dicotomia entre quarentena e economia, opera demissões, realizando a “queima” das forças produtivas, no caso, na própria força de trabalho, e mantém setores não essenciais desenvolvendo suas atividades normalmente (sequer altera o horário de funcionamento para reduzir as aglomerações no horário de pico – vulgarmente chamado de hora do rush).

Centralidade no aumento imediato da exploração quando a natureza (da qual os seres humanos são parte) historicamente se (re) organiza e desenvolve agentes etiológicos nocivos aos seres humanos e, com isso, denuncia necessidades sociais de médio e longo prazo. Para citar alguns do mais recentes, os vírus H1N1, Zika e Ebola denunciavam o capital e a forma como que se organiza a saúde global: “indústrias farmacêuticas com pouco ou nenhum interesse na pesquisa sem fins lucrativos sobre doenças infecciosas” (HARVEY, 2020, p. 18); e sistemas de saúde sem cobertura universal, quiçá acesso universal.

Para além da cobertura e do acesso denunciados por outros agentes etiológicos, a pandemia do novo coronavírus expõe ainda mais os sistemas de saúde global: (i) caos numéricos; (ii) escassez de insumos; e (iii) insuficiência de leitos (DAVIS, 2020, p. 06). E, embora pareça simplismo, a ausência de centralismo na produção – que deveria estar calcada em valores solidários (e não egóicos – uma das bases ideológicas da propriedade privada) – é a principal motivação.

Países como China, Coreia Popular, Cuba e Vietnã são exemplos a serem seguidos em relação ao controle da produção (tais como o redirecionamento na produção de insumos, como dentre outros, máscaras, kit de testes e luvas, e a garantia da soberania alimentar), rigoroso combate a divulgação anticientífica (vulgarmente chamado de Fake News), rastreabilidade da doença (ora com testes em massa, ora com investigações sanitárias - visitas domiciliares, levantamento de sintomas e isolamento de casos prováveis, sem perdas de direitos trabalhistas) e desinfecção das áreas fronteiriças e demais áreas de circulação, incluindo locais de trabalho.

A incapacidade de países capitalistas em lidarem com a crise sanitária não pode nos cegar. As notícias falsas aos países com experiências socialistas (que não estão isentos a contradições), sobretudo em relação à China, buscam manter um anticomunismo que beira a irracionalidade (a miséria da razão!) e, concomitantemente, esconder a capacidade logística e os valores solidários de tais países que comprovam a superioridade socialista no trato das necessidades sociais, como ao enfrentamento da pandemia.

Passo fundamental, portanto, é o que a literatura crítica do Serviço Social denominou de dimensão teórico-metodológica: estudar não é um recuo, mas apropriar-se de uma arma carregada para desvelar a realidade e oferecer um serviço qualificado às/aos usuárias/os.

Estude a partir de fontes seguras, mas lembre-se que a dimensão técnica não é isenta de política, pois todo processo de pesquisa envolve escolhas de quem pesquisa. Apreenda a metodologia utilizada e os resultados criticamente. Aproprie-se qualitativamente dos dados e informações e produza uma análise crítica: não reproduza mecanicamente. E nunca se esqueça que sua linguagem, embora não deva perder o rigor teórico, deve alcançar diferentes setores da classe trabalhadora.

Um banco de dados relevante é a biblioteca temática sobre o covid-19 da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) [2]. Notícias do mundo, sobretudo da América Latina, podem ser encontradas no portal da TeleSUR e reflexões teóricas nos portais da editora Boitempo e da Revista Opera, além dos canais de Jones Manoel – jovem historiador que Caetano Veloso reconheceu como referência política. E, igualmente, as relações entre a pandemia e gênero, diversidade sexual e raça/etnia são debates constantes de notas e transmissões ao vivo (lives) nas redes sociais (Facebook e Instagram) do Coletivo Feminista Classista Ana Montenegro, do Coletivo Negro Minervino de Oliveira e do Coletivo LGBT Comunista.

Dadas as palavras iniciais, caminha-se para o desenvolvimento do ensaio – que não são receitas de fazer profissional. Assim, o texto se estrutura em partes: (i) a formação profissional; (ii) o trabalho profissional; (iii) ações do conjunto CFESS-CRESS; (iv) proposições políticas; e (v) mini glossário.


FORMAÇÃO PROFISSIONAL



Estão suspensas as atividades de aula nas instituições de ensino superior. Públicas ou privadas, alguns governadores ou empresários que administram ou são donos de tais instituições têm anunciado unilateralmente o adiantamento das férias. Pautar de tal forma a suspensão é, no mínimo, equívoco. Estudantes e profissionais da educação podem pautar que o mais adequado é aguardar o processo da pandemia ser superado e coletivamente, isto é, com a comunidade acadêmica, construir alternativas. Esta tem sido bandeira política de alguns sindicatos da educação.

A Portaria nº 343, de 17 de março de 2020, que propõe o Ensino à Distância em substituição ao ensino presencial é oportunismo do executivo em defesa de interesses hostis às necessidades de estudantes e profissionais de educação. Desconsidera a realidade desigual de estudantes e onera discentes e profissionais de educação. Posicionamentos contrários à referida portaria têm sido encontrados em sindicatos e executivas de estudantes.

A Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS) acertadamente emitiu nota defendendo a suspensão imediata dos estágios em Serviço Social. Em suma, com a suspensão das aulas e, com isso, da supervisão acadêmica rompe-se o processo de supervisão de estágio pautado em uma tríade (estagiária/o, supervisor/a acadêmico e supervisor/a de campo). Fundamental para a saúde de estudantes é a paralisação dos estágios, independente da modalidade de ensino, uma vez que estudantes têm limites na contribuição no momento atual e sua ausência contribuiria na redução de fluxos de trabalhadores/as nas instituições, no transporte e na cidade, em geral.

A Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo - Acadêmico”, tornado público pelo Edital nº 4, de 31 de março de 2020, da Secretaria de Gestão de Trabalho e da Educação na Saúde, não faz referência às/aos discentes de Serviço Social e reduz as profissões de saúde às/aos profissionais de Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia e Medicina. Portanto, estudantes de Serviço Social não estão sendo convocados em âmbito federal, pelo menos até o momento, para responder à pandemia. De qualquer forma, a pergunta que fica é “o Brasil conta comigo, mas a gente pode contar com o Brasil?” – muito bem elaborada na nota conjunta das executivas de estudantes dos cursos convocados.

TRABALHO PROFISSIONAL



A alínea D, do art. 3º, da Resolução CFESS nº 273/1993, que trata de o dever de assistentes sociais participarem nos “programas de socorro à população em situação de calamidade pública, no atendimento e defesa de seus interesses e necessidades” (BRASIL, 2010, p. 27) dificilmente será esquecida pelas/os profissionais. Este dever, inserido nas responsabilidades gerais de assistentes sociais, tem uma dupla dimensão: (i) jurídico-formal; e (ii) demarcação política. Jurídico-formal por estar alinhada às legislações e ao socorro pretendido. Demarcação política por, mesmo consoante aos processos jurídicos, ter lado nas contradições que se agudizam em períodos de crise - no caso parcialidade com os interesses e necessidades da classe trabalhadora.

A Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo – Profissionais de Saúde”, publicada pela Portaria MS nº 639/2020, objetiva compor um banco de dados de profissionais da Saúde, com base na Resolução CNS nº 287/1988. Segundo o CFESS, o cadastramento não é obrigatório, mas há recomendação de realização do cadastramento.

Importante salientar que inexiste oposição entre as recomendações sanitárias, como suspensão de atendimentos em grupos e manutenção da ventilação no ambiente (evitar fechar portas e janelas), e prestação de serviço qualificado por parte de assistentes sociais. Em um primeiro momento, salta aos olhos preocupações com o sigilo profissional e a Resolução CFESS nº 493/2006, que dispõe sobre condições éticas e técnicas do trabalho profissional.

As ações profissionais devem ser antecipadas, projetadas idealmente para responder necessidades e interesses, transformadas em objetivos. Construa, preferencialmente de forma coletiva, os objetivos, meios e desfechos pretendidos.

Matos (2020, p. 6-7) incentiva e reforça a necessidade da criatividade, própria dos sujeitos sociais. Longe de prescrever ações, ele cita possibilidades, como acompanhamento por telefone às/aos usuárias/os de saúde mental e população idosa; relação democrática e franca com as/os usuários/as em caso de atendimento presencial para que se compactue a permanência de portas e janelas abertas; e, em caso de internações, devido às características próprias da transmissão do novo coronavírus e reorganização do espaço e dos processos de trabalhos nas unidades de internação e hospitais em geral, a orientação social ser dirigida às/aos familiares e amigas/os – de preferência remotamente.

Ele aproveita para relembrar que também há reorganização nos processos de trabalhos em outras políticas sociais, indicando necessidades de articulação tanto para compreender as mudanças (tais como alterações de protocolos), quanto planejar respostas de enfretamento à pandemia – seja em matéria de Serviço Social, seja em termos de competência profissional.

Ainda nas palavras de Matos, requisições equivocadas surgirão, tal como a normatização sobre óbitos em caso de COVID-19 que permite comunicação da morte pela/o assistente social e outros profissionais de saúde. Ele sugere reapropriação constante do acúmulo ético-político, teórico-metodológico e técnico-operativo como mecanismo de fortalecimento e revigoramento profissional, assim como ações coletivas podem contribuir nos processos de trabalho (mesmo que reuniões presenciais estejam suspensas).

Sem dúvidas as ações remotas, como atendimento telefônico ou por vídeo conferência, devem ocorrer em caráter absolutamente excepcional, conforme orientações do próprio CFESS.

Portanto, os instrumentos e técnicas a serem manipulados pelas/os profissionais devem estar alinhados aos interesses e necessidades da classe trabalhadora, construídas coletivamente, respeitando as orientações sanitárias, e caso haja necessidade compactuadas com usuárias/os.

Lembre-se que o principal instrumento profissional, segundo Iamamoto, é a linguagem. Assim, a prática socioeducativa é uma constante no trabalho de assistente social.

Reduzir o trabalho profissional às ações socioassistenciais é erro teórico e corrobora com a subalternidade da profissão. Reconhecer isso, porém, não implica em secundarizar as referidas ações, mas envolver necessariamente outros eixos de atuação no planejamento das respostas profissionais.

Compete às/aos assistentes sociais, nos termos do inciso II, do art. 4º, da Lei Federal nº 8.662/1993, que regulamenta a profissão, “elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social” (BRASIL, 2010, p. 44). Portanto, combate às notícias falsas sobre diferentes aspectos das políticas sociais, por exemplo, pode ser assumido como competência profissional. Inclusive, contribuindo para evitar golpes com coleta de dados em plataformas oportunistas, como tem ocorrido em relação ao auxílio emergencial.

Outra dimensão importante na saúde (e demais políticas públicas) é a de controle democrático. Ao ser decretado situação de calamidade pública, o Estado tem prerrogativas constitucionais que permitem mobilizar recursos extraordinários (incluindo empréstimos) e dispensa de licitação para contratação de serviços.

Estas prerrogativas excepcionais não estão isentas de controle. O art. 14 do Decreto Nº 7.257/2010 exige uma série de documentos que devem ser apresentadas para fins de prestação de contas e fiscalização. À/ao assistente social esta é uma ferramenta que pode ser trabalhada pedagogicamente, respeitada as orientações sanitárias, com usuárias/os e equipe de trabalho, assim como nos respectivos Conselhos de Políticas ou de Direitos, para fins igualmente de contribuição na conscientização sanitária.

Profissionais de Serviço Social em cargo de chefia podem mobilizar sua autoridade funcional para contribuir na reorganização dos processos de trabalho com vistas à redução de riscos às/aos subordinadas/os (seja com permissão de trabalho em casa, seja com alteração do horário dos serviços – respeitados os limites institucionais) e na defesa de aquisição e distribuição de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), material de higienização pessoal e desinfecção do ambiente de trabalho.

Na relação com a instituição empregadora, ter condições de trabalho é direito, assim como consiste em dever de assistentes sociais, na sua relação com as entidades da categoria, “denunciar ao Conselho Regional as instituições públicas ou privadas, onde as condições de trabalho não sejam dignas ou possam prejudicar os/as usuários/as ou profissionais” (BRASIL, 2010, p. 34).

Dimensão comumente negligenciada é a da investigação. Registre o máximo de informações e dados, sistematize e proponha ações profissionais.


AÇÕES DO CONJUNTO CFESS-CRESS[3]:



Atente-se as datas, posicionamentos mudam conforme o movimento da sociedade. Importante observar os pressupostos que fundamentam as ações. Alguns conselhos têm realizado debates virtuais sobre diferentes assuntos. Estes eventos tem sido divulgado em suas redes sociais. Entre as ações do conjunto estão Resoluções, Portarias, Ofícios, Boletins, Notas, Orientações e Pesquisa sobre o trabalho profissional no contexto da pandemia. 


1.      Resolução CFESS nº 942/2020, que autoriza, em caráter excepcional e para o exercício 2020, a extensão de prazos para o pagamento das anuidades de pessoa física e de pessoa jurídica.

2.      Resolução nº 940/2020, que dispõe sobre a suspensão dos prazos processuais e da prescrição quinquenal e intercorrente no âmbito do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e dos Conselhos Regionais de Serviço Social e a suspensão dos atos processuais que envolvam contato presencial.


4.      Orientação Normativa CFESS nº 3/2020, que dispõe sobre ações de comunicação de boletins de saúde e óbitos por assistentes sociais.



7.      Boletim COFI: Plantão Coronavírus (CRESS-ES).























REIVINDICAÇÕES[4]:



1. A revogação imediata da Emenda Constitucional 95 e um pacote de investimentos emergenciais no SUS, para aquisição de equipamentos, insumos hospitalares e contratação emergencial de trabalhadores da saúde.
2. Produção e aquisição massiva de kits de teste do covid-19, a serem disponibilizados no sistema de saúde de forma 100% gratuita.
3. Distribuição de kits gratuitos em postos de saúde, clínicas e farmácias e congelamento de preço dos itens ligados à higienização.
4. As empresas de aplicativos devem arcar com os custos sociais e de saúde dos trabalhadores cadastrados.
5. Direcionamento de pacientes e suspeitos de infecção para o sistema de saúde privado, sem custos.
6. Garantia de pagamento do salário correspondente aos dias parados aos trabalhadores doentes e dos locais de trabalho que tiverem paralisações gerais.
7. Suspensão de cortes de serviços básicos por falta de pagamento (luz, água, internet, gás).
8. Alocação imediata de população desabrigada em imóveis desocupados, sem indenização aos proprietários.
9. Flexibilização das amarras fiscais impostas aos Estados, a fim de aumentar os investimentos em novos leitos e na melhoria de estrutura dos postos de saúde.
10. Combate às fakes news disseminadas por agentes do governo e pelo terraplanismo religioso, que, com suas mentiras, promovem um desserviço criminoso às necessárias medidas preventivas, ao desqualificar a ação da ciência.

MINI GLOSSÁRIO



Coronavírus: uma família de vírus que causam infecções respiratórias.

SARS-CoV-2: nome oficial dado ao novo coronavírus, que significa "severe acute respiratory syndrome coronavirus 2" (síndrome respiratória aguda grave de coronavírus 2)

COVID-19: nome da doença causada pelo vírus SARS-CoV-2 e quer dizer "coronavirus disease 2019" (doença do coronavírus 2019, em inglês).




[1] Organizador das redes sociais @profissionaldeluta (Blogger; Facebook; Instagram; e YouTube). Assistente Social. Residente em Saúde da Mulher (UFRJ). Mestre em Serviço Social (PUC Rio). Especialista em Saúde Pública (FIOCRUZ). Especialista em Gestão Urbana e Saúde (FIOCRUZ).
[2] Use a biblioteca e aproveite para compreender o uso de operadores booleanos e parênteses no levantamento bibliográfico. Sua pesquisa bibliográfica nunca mais será a mesma.
[3] Possíveis ausências de quaisquer ações do conjunto CFESS-CRESS na relação que se segue não são intencionais – e, portanto, não representam nada além de dificuldades na sistematização.
[4] Pautas de reivindicação construídas pela União da Juventude Comunista (UJC).



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